A devoção ao Sagrado Coração de Jesus é muito antiga; os Padres da Igreja já falavam dela; tudo brota daquele Coração “manso e humilde” que por nós foi transpassado pela lança do soldado Longuinho, na Cruz do Calvário. Dele saiu sangue e água, símbolos do Batismo e da Eucaristia, e também da Igreja, Esposa de Cristo, que nasce do lado aberto do novo Adão, como Eva nasceu do lado aberto do primeiro. O Papa Pio XII, em 1956, publicou a encíclica “Haurietis Aquas“, em referência ao culto ao Sagrado Coração de Jesus.

 


CARTA ENCÍCLICA
HAURIETIS AQUAS
DO SUMO PONTÍFICE
PAPA PIO XII
AOS VENERÁVEIS IRMÃOS
PATRIARCAS, PRIMAZES,
ARCEBISPOS E BISPOS
E OUTROS ORDINÁRIOS DO LUGAR
EM PAZ E COMUNHÃO
COM A SÉ APOSTÓLICA

SOBRE O CULTO DO SAGRADO
CORAÇÃO DE JESUS

INTRODUÇÃO

ADMIRÁVEL DESENVOLVIMENTO DO CULTO
DO CORAÇÃO SACRATÍSSIMO DE JESUS NOS TEMPOS MODERNOS

 

1. “Haurireis águas com gáudio das fontes do Salvador” (Is 12, 3). Essas palavras, com que o profeta Isaías prefigurava os múltiplos e abundantes bens que os tempos cristãos haveriam de trazer, acodem-nos espontaneamente ao espírito ao completar-se a primeira centúria desde que o nosso predecessor de imperecível memória Pio IX, correspondendo aos desejos do orbe católico, ordenou que se celebrasse na Igreja universal a festa do sacratíssimo coração de Jesus.

2. Inumeráveis são as riquezas celestiais que nas almas dos fiéis infunde o culto tributado ao sagrado coração, purificando-os, enchendo-os de consolações sobrenaturais, e excitando-os a alcançar toda sorte de virtudes. Portanto, tendo presentes as palavras do apóstolo são Tiago. “Toda dádiva preciosa e todo dom perfeito vem do alto e desce do Pai das luzes” (Tg 1, 17), neste culto, que cada vez mais se incende e se estende por toda parte, com toda razão, podemos considerar o inapreciável dom que o Verbo encarnado e salvador nosso, como único mediador da graça e da verdade entre o Pai celestial e o gênero humano, concedeu à sua mística esposa nestes últimos séculos, em que ela teve de suportar tantos trabalhos e dificuldades. Assim, pois, gozando deste inestimável dom, pode a Igreja manifestar mais amplamente o seu amor ao divino Fundador, e cumprir mais fielmente a exortação que o evangelista são João põe na boca do próprio Jesus Cristo: “No último dia da festa, que é o mais solene, Jesus pôs-se em pé, e em voz alta dizia: Se alguém tem sede, venha a mim, e beba quem crê em mim. Do seu seio, como diz a Escritura, manarão rios de água viva. Isto o disse pelo Espírito que haveriam de receber os que nele cressem” (Jo 7, 37-39). Ora, aos que escutavam essas palavras de Jesus, pelas quais ele prometia que do seu seio haveria de manar uma fonte “de água viva”, certamente não lhes era difícil relacioná-las com os vaticínios com que Isaías, Ezequiel e Zacarias profetizavam o reino do Messias, e com a simbólica pedra que, golpeada por Moisés, de maneira milagrosa haveria de jorrar água (cf. Is 12, 3; Ez 47, 1-12; Zc 13, 1; Ex 17, 1-7; Nm 20, 7-13;1 Cor 10, 4; Ap 7, 17; 22,1).

3. A caridade divina tem a sua primeira origem no Espírito Santo, que é o amor pessoal, assim do Pai como do Filho, no seio da Trindade augusta. Com sobradíssima razão, pois, o apóstolo das gentes, como que fazendo-se eco das palavras de Jesus Cristo, atribui a esse Espírito de amor a efusão da caridade nas almas dos crentes: “A caridade de Deus foi derramada nos nossos corações por meio do Espírito Santo, que nos foi dado” (Rm 5,5).

4. Este estreito vínculo que segundo a Sagrada Escritura, existe entre o Espírito Santo, que é amor por essência, e a caridade divina, que deve acender-se cada vez mais na alma dos fiéis, demonstra abundantemente a todos nós, veneráveis irmãos, a natureza íntima do culto que se deve tributar ao coração de Jesus Cristo. Com efeito, se lhe considerarmos a natureza particular, manifesto é que este culto é um ato de religião excelentíssimo, visto exigir de nós uma plena e inteira vontade de entrega e consagração ao amor do divino Redentor, do qual é sinal e símbolo vivo o seu coração traspassado. Consta igualmente, e em sentido ainda mais profundo, que este culto aprofunda a correspondência do nosso amor ao amor divino. Pois só em virtude da caridade se obtém que os homens se submetam mais perfeita e inteiramente ao domínio de Deus, já que o nosso amor de tal maneira se apega à divina vontade, que vem a fazer-se uma coisa só com ela, consoante aquelas palavras: “Quem está unido ao Senhor é com ele um mesmo espírito” (1 Cor 6, 17). 

I
FUNDAMENTOS E PREFIGURAÇÕES

DO CULTO AO SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS
NO ANTIGO TESTAMENTO

1) Incompreensão da verdadeira natureza do culto ao coração sacratíssimo de Jesus por parte de alguns cristãos

5. Conquanto a Igreja em tão grande estima tenha tido sempre e ainda tenha o culto do sacratíssimo coração de Jesus, a ponto de se empenhar em fomentá-lo e propagá-lo por toda parte entre o povo cristão, e conquanto se esforce diligentemente por defendê-lo contra o “naturalismo” e o “sentimentalismo”, todavia é muito doloroso verificar que, no passado e em nossos dias, alguns cristãos não têm este nobilíssimo culto na honra e estima devidas, e às vezes não o têm nem mesmo aqueles que se dizem animados de zelo sincero pela religião católica e pela própria perfeição.

6. “Se conhecesses o dom de Deus” (Jo 4, 10). Servimo-nos dessas palavras veneráveis irmãos, nós, que por disposição divina fomos constituídos guardas e dispensadores do tesouro da fé e da religião que o divino Redentor entregou à sua Igreja, para admoestar todos aqueles dos nossos filhos que, apesar de, vencendo a indiferença e os erros humanos, já haver o culto do sagrado coração de Jesus penetrado no seu corpo místico, ainda abrigam preconceitos para com ele, e chegam até a reputá-lo menos adaptado, para não dizer nocivo, às necessidades espirituais mais urgentes da Igreja e da humanidade na hora presente. Porque não falta quem, confundindo ou equiparando a índole primária deste culto com as diversas formas de devoção que a Igreja aprova e favorece, mas não prescreve, o tem como um acréscimo que cada um pode praticar à vontade, e alguns há também que consideram oneroso este culto, e mesmo de nenhuma ou pouca utilidade, especialmente para os militantes do reino de Deus, empenhados em consagrar o melhor das suas energias, dos seus recursos e do seu tempo à defesa da verdade católica, para ensiná-la e propagá-la, e para difundir a doutrina social católica, fomentando práticas religiosas e obras por eles julgadas mais necessárias nos nossos dias. Por último, há quem creia que este culto, longe de ser um poderoso meio para estabelecer e renovar os costumes cristãos na vida individual e familiar, é antes uma devoção sensível não enformada em altos pensamentos e afetos, e, portanto, mais própria para mulheres do que para pessoas cultas.

7. Outros, finalmente, ao considerarem que esta devoção pede penitência, expiação e outras virtudes, sobretudo as que se chamam “passivas”, por não produzirem frutos externos; não a julgam a propósito para reacender a piedade, a qual deve tender cada vez mais à ação intensa, encaminhada ao triunfo da fé católica e à valente defesa dos costumes cristãos, os quais hoje, como todos sabem, se vêm facilmente infectados pelo indiferentismo, que não reconhece nenhum critério para distinguir o verdadeiro do falso no modo de pensar e de agir, e, assim, se vêem lamentavelmente alheados pelos princípios do materialismo ateu e do laicismo.

2) Estima e bênção dos sumos pontífices ao culto do sagrado coração de Jesus

8. Quem não vê, veneráveis irmãos, quão alheias são essas opiniões do sentir dos nossos predecessores, que desta cátedra de verdade publicamente aprovaram o culto do sacratíssimo coração de Jesus? Quem ousará chamar inútil ou menos acomodada aos nossos tempos esta devoção que o nosso predecessor de imperecível memória Leão XIII chamou de “estimadíssima prática religiosa”, e na qual viu um poderoso remédio para os próprios males que, nos nossos dias de maneira mais aguda e com mais extensão, afligem os indivíduos e a sociedade? “Esta devoção – dizia ele – que a todos recomendamos, a todos será de proveito”. E acrescentava estes avisos e exortações que também se referem à devoção ao sagrado coração: “Daí a violência dos males que, há tempo, estão como que implantados entre nós, e que reclamam urgentemente busquemos a ajuda do único que tem poder para os afastar. E quem pode ser este senão Jesus Cristo, o unigênito de Deus? Pois nenhum outro nome foi dado aos homens sob o céu no qual devamos salvar-nos” (At 4,12). “Cumpre recorrer a ele, que é caminho, verdade e vida”.(1)

9. Nem menos dignos de aprovação e adequado para fomentar a piedade cristã julgou-o o nosso imediato predecessor, de feliz memória, Pio XI, que, na sua encíclica “Miserentissimus Redemptor“, escrevia: “Acaso não está contido nessa forma de devoção o compêndio de toda a religião, e mesmo a norma de vida mais perfeita, como quer que ele guie mais suavemente as almas para o profundo conhecimento de Cristo Senhor nosso, e com maior eficácia as mova a amá-lo mais apaixonadamente e a imitá-lo mais de perto?”(2) Nós, por nossa parte, com não menor agrado do que os nossos predecessores, aprovamos e aceitamos essa sublime verdade; e, quando fomos elevado ao sumo pontificado, ao contemplarmos o feliz e triunfal progresso do culto ao sagrado coração de Jesus entre o povo cristão, sentimos o nosso ânimo cheio de alegria e regozijamo-nos com os inúmeros frutos de salvação que ele havia produzido em toda a Igreja, sentimentos que tivemos a satisfação de exprimir logo na nossa primeira encíclica.(3) Através dos anos do nosso pontificado – cheios não só de calamidades e angústias, como também de inefáveis consolações -, esses frutos não diminuíram nem em número, nem em eficácia, nem em beleza, antes aumentaram. Com efeito, iniciativas múltiplas e muito acomodadas às necessidades dos nossos tempos surgiram para reacender este culto: referimo-nos às associações destinadas à cultura intelectual e à promoção da religião e da beneficência; às publicações de caráter histórico, ascético e místico encaminhadas a este mesmo fim; às piedosas práticas de reparação e, de modo especial, às manifestações de ardentíssima piedade que têm promovido o Apostolado da oração, a cujo zelo e atividade se deve o se haverem famílias, colégios, instituições, e mesmo algumas nações, consagrado ao sacratíssimo coração de Jesus; e não raras vezes, por ocasião dessas manifestações de culto, mediante cartas, discursos e mesmo radiomensagens temos expressado a nossa paternal complacência.(4)

10. Portanto, ao vermos que tamanha abundância de águas, quer dizer, de dons celestiais do supremo amor, que têm brotado do sagrado coração do nosso Redentor, se derramam sobre incontáveis filhos da Igreja católica por obra e inspiração do Espírito Santo, não podemos, veneráveis irmãos, deixar de exortar-vos com ânimo paterno a que, juntamente conosco, tributeis louvores e profundas ações de graças ao dispensador de todos os bens, repetindo estas palavras do apóstolo das gentes: “Aquele que é poderoso para fazer, acima de toda medida, com incomparável excesso, mais do que pedimos ou pensamos, segundo o poder que desenvolve em nós a sua energia, a ele glória na Igreja e em Cristo Jesus por todas as gerações, nos séculos dos séculos. Amém” (Ef 3,20-21). Mas, depois de tributarmos as devidas graças ao Deus eterno, queremos por meio desta encíclica exortar-vos, a vós e a todos os amadíssimos alhos da Igreja, a uma mais atenta consideração dos princípios doutrinais contidos na Bíblia, nos santos padres, e nos teólogos; princípios nos quais, como em sólidos fundamentos, se apóia o culto do sacratíssimo coração de Jesus. Porque nós estamos plenamente persuadidos de que só quando à luz da divina revelação houvermos penetrado a fundo a natureza e a essência íntima deste culto, é que poderemos apreciar devidamente a sua incomparável excelência e a sua inexaurível fecundidade em toda sorte de graças celestiais, e destarte, meditando e contemplando piedosamente os inúmeros bens que ela produz, poderemos celebrar dignamente o primeiro centenário da festa do sacratíssimo coração de Jesus na Igreja universal.

11. Com o fim, pois, de oferecer à mente dos féis o alimento de salutares reflexões, com as quais possam eles mais facilmente compreender a natureza deste culto, tirando dele frutos mais abundantes, deter-nos-erros antes de tudo nas páginas do Antigo e do Novo Testamento que contêm a revelação e descrição da caridade infinita de Deus para com o gênero humano, caridade cuja sublime grandeza jamais poderemos esquadrinhar suficientemente; depois aduziremos o comentário que sobre ela nos deixaram os padres e doutores da Igreja; e, finalmente, procuraremos esclarecer a íntima conexão que existe entre a forma de devoção que se deve tributar ao coração do divino Redentor e o culto que os homens estão obrigados a render ao amor, que ele e as outras pessoas da Santíssima Trindade têm a todo gênero humano. Pois achamos que, uma vez considerados à luz da Sagrada Escritura e da tradição os elementos constitutivos desta nobilíssima devoção, aos cristãos será mais fácil chegarem-se “com gáudio às águas das fontes do Salvador” (Is 12, 3); quer dizer, poderão eles apreciar melhor a singular importância que o culto ao coração sacratíssimo de Jesus adquiriu na liturgia da Igreja, na sua vida interna e externa, e também nas suas obras; e assim cada um poderá obter frutos espirituais que assinalarão uma salutar renovação nos seus costumes, segundo os desejos dos pastores do rebanho de Cristo.

3) O amor de Deus, motivo dominante do culto ao santíssimo coração de Jesus, no Antigo Testamento

12. Para melhor poder compreender a força que com relação a esta devoção encerram alguns textos do Antigo e do Novo Testamento, é preciso entender bem o motivo pelo qual a Igreja tributa ao coração do divino Redentor o culto de latria. Duplo, veneráveis irmãos, como bem sabeis, é tal motivo: o primeiro, que é comum também aos demais membros adoráveis do corpo de Jesus Cristo, funda-se no fato de, sendo o seu coração parte nobilíssima da natureza humana, estar unido hipostaticamente à pessoa do Verbo de Deus, e, portanto, dever-se-lhe tributar o mesmo culto de adoração com que a Igreja honra a pessoa do próprio Filho de Deus encarnado. Trata-se, pois, de uma verdade de fé católica, solenemente definida no concílio ecumênico de Éfeso e no II de Constantinopla.(5) O outro motivo concerne de maneira especial ao coração do divino Redentor, e, pela mesma razão, confere-lhe um título inteiramente próprio para receber o culto de latria. Provém ele de que, mais do que qualquer outro membro do seu corpo, o seu coração é o índice natural ou o símbolo da sua imensa caridade para com o gênero humano. Como observava o nosso predecessor Leão XIII, de imortal memória, “é ínsita no sagrado coração a qualidade de ser símbolo e imagem expressiva da infinita caridade de Jesus Cristo que nos incita a retribuir-lhe o amor por amor”.(6)

13. Coisa indubitável é que nos livros sagrados nunca se faz menção certa de um culto de especial veneração e amor tributado ao coração físico do Verbo encarnado pela sua prerrogativa de símbolo da sua inflamadíssima caridade. Mas este fato, que cumpre reconhecer abertamente, não nos deve admirar, nem de modo algum fazer-nos duvidar de que a caridade divina para conosco – razão principal deste culto – é exaltada tanto pelo Antigo como pelo Novo Testamento com imagens sumamente comovedoras. E, por se encontrarem nos livros santos que prediziam a vinda do Filho de Deus feito homem, podem essas imagens considerar-se como um presságio daquilo que havia de ser o símbolo e índice mais nobre do amor divino, a saber: o coração sacratíssimo e adorável do Redentor divino.

14. Pelo que se refere ao nosso propósito, não julgamos necessário aduzir muitos textos do Antigo Testamento nos quais estão contidas as primeiras verdades reveladas por Deus, mas cremos bastará recordar o pacto estabelecido entre Deus e o povo eleito, pacto sancionado com vítimas pacíficas – e cujas leis fundamentais, esculpidas em duas tábuas, Moisés promulgou (cf. Ex 34, 27-28) e os profetas interpretaram -, esse pacto não se baseava somente nos vínculos do supremo domínio de Deus e na devida obediência da parte do homem, mas consolidava-se e vivificava-se com os mais nobres motivos do amor. Porque também para o povo de Israel a razão suprema de obedecer a Deus, devia ser não tanto o temor das divinas vinganças suscitado nos ânimos pelos trovões e relâmpagos procedentes do ardente cume do Sinai, mas, antes, o amor devido a Deus: “Escuta, Israel: O Senhor, nosso Deus, é o único Senhor. Amarás, pois, o Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todas as tuas forças. E estas palavras que hoje te ordeno estarão sobre o teu coração” (Dt 6, 4-6).

15. Não nos deve, pois, causar estranheza que Moisés e os profetas, aos quais o Doutor angélico chama com razão os “maiorais” do povo eleito,(7) compreendendo bem que o fundamento de toda a lei se baseava neste mandamento do amor, descrevessem as relações todas existentes entre Deus e a sua nação, recorrendo a semelhanças tiradas do amor recíproco entre pai e filhos, ou do amor dos esposos, em vez de representá-las com imagens severas inspiradas no supremo domínio de Deus ou na nossa devida servidão cheia de temor. Assim, por exemplo, no seu celebérrimo cântico pela libertação do seu povo da servidão do Egito, ao querer exprimir como essa libertação era devida à intervenção onipotente de Deus, o próprio Moisés recorre a estas comovedoras expressões e imagens: “Assim como a águia provoca seus filhotes a alçarem o vôo e acima deles revoluteia, assim também (Deus) estendeu as suas asas e acolheu (Israel) e carregou-o nos seus ombros” (Dt 32, 11). Talvez, porém, entre os profetas, nenhum exprima e descubra melhor, tão clara e ardentemente, quanto Oséias, o amor constante de Deus para com seu povo. Com efeito, nos escritos deste profeta, que entre os profetas menores sobressai pela profundeza de conceitos e pela concisão da linguagem, Deus é descrito amando o seu povo escolhido com um amor justo e cheio de santa solicitude, qual é o amor de um pai cheio de misericórdia e de amor, ou de um esposo ferido na sua honra. É um amor que, longe de decair e de cessar à vista de monstruosas infidelidades e pérfidas traições, castiga-os, sim, como eles merecem, mas não para os repudiar e os abandonar a si mesmos, mas só com o fim de limpar, de purificar a esposa afastada e infiel e os filhos ingratos, para tornar a uni-los novamente consigo uma vez renovados e confirmados os vínculos de amor: “Quando Israel era criança amei-o; e do Egito chamei meu filho… Ensinei Efraim a andar, tomei-o nos meus braços, mas eles não reconheceram que eu cuidava deles. Com vínculos humanos atraí-los-ei, com laços de amor… Sanar-lhes-ei as rebeldias, amá-los-ei generosamente, pois minha ira não se afastou deles. Serei como o orvalho para Israel, ele florescerá como o lírio e lançará suas raízes qual o Líbano” (Os 11, 1.3-4; 14, 5-6).

16. Expressões semelhantes tem o profeta Isaías quando apresenta o próprio Deus e o povo escolhido como que dialogando entre si com estas palavras: “Mas Sião disse: O Senhor abandonou-me e esqueceu-se de mim. Pode, acaso, uma mulher esquecer o seu pequenino de sorte que não se apiede do filho de suas entranhas? Ainda que esta se esquecesse, eu não me esquecerei de ti” (Is 49, 14-15). Nem menos comovedoras são as palavras com que, servindo-se do simbolismo do amor conjugal, o autor do Cântico dos cânticos descreve com vivas cores os laços de amor mútuo que unem entre si, Deus e a nação predileta: “Como lírio entre os espinhos, assim é minha amada entre as donzelas… Eu sou de meu amado e meu amado é meu: o que se apascenta entre os lírios… Põe-me como selo sobre teu coração, como selo sobre teu braço, pois forte como a morte é o amor, duros como o inferno os ciúmes: seus ardores são ardores de fogo e de chamas” (Ct 2, 2; 6, 2; 8, 6).

17. Com todo esse amor, terníssimo, indulgente e longânime mesmo quando se indigna pelas repetidas infidelidades do povo de Israel, Deus nunca chega a repudiá-lo definitivamente; mostra-se, sim, veemente e sublime; mas, contudo, em substância isso não passa do prelúdio daquela inflamadíssima caridade que o Redentor prometido havia de mostrar a todos com o seu amantíssimo coração, e que ia ser o modelo do nosso amor e a pedra angular da nova aliança. Porque, em verdade, só aquele que é o Unigênita do Pai e o Verbo feito carne “cheio de graça e de verdade” (Jo 1, 14), tendo descido até os homens oprimidos de inúmeros pecados e misérias, podia fazer brotar da sua natureza humana, unida hipostaticamente à sua pessoa divina, “um manancial de água viva” que regasse copiosamente a terra árida da humanidade, transformando-a em florido e fértil jardim. E essa obra admirável que o amor misericordioso e eterno de Deus devia realizar, de certo modo já parece prenunciá-la o profeta Jeremias com estas palavras: “Amei-te com amor eterno; por isso atrai-te a mim cheio de misericórdia… Eis vêm dias, afirma o Senhor, em que pactuarei com a casa de Israel e com a casa de Judá uma aliança nova: este será o pacto que eu concertarei com a casa de Israel depois daqueles dias, declara o Senhor: Porei minha lei no interior dele e escrevê-la-ei no seu coração, e serei o seu Deus e eles serão o meu povo…; porque perdoarei a sua culpa e não mais me lembrarei dos seus pecados” (Jr 31, 3.31. 33-4).

II
LEGITIMIDADE DO CULTO
 AO SANTÍSSIMO CORAÇÃO DE JESUS
SEGUNDO A DOUTRINA
DO NOVO TESTAMENTO E DA TRADIÇÃO

1) O amor de Deus no mistério da encarnação redentora segundo o Evangelho

18. Mas somente pelo Evangelho chegamos a conhecer com perfeita clareza que a nova aliança estipulada entre Deus e a humanidade – aliança da qual a pactuada por Moisés entre o povo e Deus foi somente uma prefiguração simbólica, e o vaticínio de Jeremias mera predição – é aquela que o Verbo encarnado estabeleceu e levou à prática merecendo-nos a graça divina. Esta aliança é incomparavelmente mais nobre e mais sólida, porque, a diferença da precedente, não foi sancionada com sangue de cabritos e novilhos, mas com o sangue sacrossanto daquele que esses animais pacíficos e privados de razão, prefiguravam: “o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo” (cf. Jo 1, 29; Hb 9, 18-28; 10, 1-17). Porque a aliança cristã, ainda mais do que a antiga, manifesta-se claramente como um pacto, não inspirado em sentimentos de servidão, não fundado no temor, mas apoiado na amizade que deve reinar nas relações entre pai e filhos, sendo ela alimentada e consolidada por uma mais generosa distribuição da graça divina e da verdade, conforme a sentença do evangelho de João: “Da sua plenitude todos nós participamos, e recebemos uma graça por outra graça. Porque a lei foi dada por Moisés, mas a graça foi trazida por Jesus Cristo” (Jo 1, 16-17).

19. Introduzidos, por essas palavras do “discípulo amado que durante a ceia reclinara a cabeça sobre o peito de Jesus” (Jo 21, 20), no próprio mistério da infinita caridade do Verbo encarnado, é coisa digna, justa, reta e salutar nos detenhamos um pouco, veneráveis irmãos, na contemplação de tão suave mistério, a fim de, iluminados pela luz que sobre ele projetam as páginas do Evangelho, podermos também nós experimentar o feliz cumprimento do voto que o Apóstolo formulava escrevendo aos fiéis de Éfeso: “Habite Cristo, pela fé, nos vossos corações, vós que estais arraigados e cimentados em caridade, para que possais compreender com todos os santos qual é a largura e comprimento, a altura e profundidade deste mistério, e conhecer também o amor de Cristo a nós, o qual sobrepuja todo conhecimento, para que sejais plenamente cumulados de todos os dons de Deus” (Ef 3, 17-19).

20. Com efeito, o mistério da divina redenção é, antes de tudo e pela sua própria natureza, um mistério de amor: isto é, um mistério de amor justo da parte de Cristo para com seu Pai celeste, a quem o sacrifício da cruz, oferecido com coração amante e obediente, apresenta uma satisfação superabundante e infinita pelos pecados do gênero humano: Cristo, sofrendo por caridade e obediência, ofereceu à Deus alguma coisa de valor maior do que o exigia a compensação por todas as ofensas feitas a Deus pelo gênero humano.(8) Além disso, o mistério da redenção é um mistério de amor misericordioso da augusta Trindade e do divino Redentor para com a humanidade inteira, visto que, sendo esta totalmente incapaz de oferecer a Deus uma satisfação condigna pelos seus próprios delitos,(9) mediante a imperscrutável riqueza de méritos que nos ganhou com a efusão do seu precioso sangue, Cristo pode restabelecer e aperfeiçoar aquele pacto de amizade entre Deus e os homens violado pela primeira vez no paraíso terrestre por culpa de Adão e depois, inúmeras vezes, pela infidelidade do povo escolhido. Portanto, havendo na sua qualidade de nosso legítimo e perfeito mediador, e sob o estímulo de uma caridade energética para conosco, conciliando as obrigações e compromissos do gênero humano com os direitos de Deus, o divino Redentor foi, sem dúvida, o autor daquela maravilhosa reconciliação entre a divina justiça e a divina misericórdia, a qual justamente constitui a absoluta transcendência do mistério da nossa salvação, tão sabiamente expresso pelo doutor angélico com estas palavras: “Convém observar que a libertação do homem, mediante a paixão de Cristo, foi conveniente tanto para a justiça como para a misericórdia do mesmo Cristo. Antes de tudo para a justiça, porque com a sua paixão Cristo satisfez pela culpa do gênero humano, e, por conseguinte, pela justiça de Cristo foi o homem libertado. E, em segundo lugar, para a misericórdia, porque, não sendo possível ao homem satisfazer pelo pecado, que manchava toda a natureza humana, deu-lhe Deus um reparador na pessoa de seu Filho. Ora, isto foi, da parte de Deus, um gesto de mais generosa misericórdia do que se ele houvesse perdoado os pecados sem exigir qualquer satisfação. Por isso está escrito: ‘Deus, que é rico em misericórdia, movido pelo excessivo amor com que nos amou quando estávamos mortos pelos pecados, deu-nos vida juntamente em Cristo'” (Ef 2, 4).(10)

2) Tríplice amor do Redentor para com o gênero humano: divino, espiritual e sensível

21. Mas, a fim de, na medida que isso é dado aos homens mortais, poderdes “compreender com todos os santos qual é a largura e comprimento, a altura e profundidade” (Ef 3,18) da insondável caridade do Verbo encarnado para com seu Pai celestial e para com os homens manchados de tantas culpas, convém ter bem presente que o amor não foi unicamente espiritual, como convém a Deus, visto que “Deus é espírito” (Jo 4,24). Indubitavelmente, de índole puramente espiritual foi o amor nutrido por Deus para com nossos progenitores e para com o povo hebreu; por isso, as expressões de amor humano, quer conjugal, quer paterno, que se lêem nos Salmos, nos escritos dos profetas e no Cântico dos cânticos, são indícios e símbolos de um amor verdadeiros mas totalmente espiritual, com que Deus amava o gênero humano; ao contrário, o amor que se exala do Evangelho, das cartas dos apóstolos e das páginas do Apocalipse, onde se descreve o amor do coração de Jesus, não compreende somente a caridade divina, mas se estende também aos sentimentos do afeto humano. Para todo aquele que faz profissão de fé católica, essa verdade é indiscutível. Com efeito, o Verbo de Deus não tomou um corpo ilusório e fictício; como já no primeiro século da era cristã ousaram afirmar alguns hereges, que atraíram a severa condenação do apóstolo João: “porque muitos sedutores que não confessam a Jesus Cristo encarnado espalham-se pelo mundo. Este é o Sedutor, o Anticristo” (2 Jo 7); porém ele, o Verbo de Deus, uniu à sua divina pessoa uma natureza humana indivídua, íntegra e perfeita, concebida no seio imaculado de Maria Virgem por obra do Espírito Santo (cf. Lc 1,35). Nada, pois, faltou à natureza humana assumida pelo Verbo de Deus; em verdade, ele a possui sem nenhuma diminuição, sem nenhuma alteração, tanto nos elementos constitutivos espirituais quanto nos corporais, a saber: dotada de inteligência de vontade e demais faculdades cognoscitivas internas e externas; dotada igualmente das potências afetivas, sensitivas e das suas correspondentes paixões. É isso o que ensina a Igreja católica, por estar sancionado e solenemente confirmado pelos romanos pontífices e pelos concílios ecumênicos: “Inteiro nas suas propriedades, inteiro nas nossas”;(11) “perfeito na divindade e perfeito ele próprio na humanidade”;(12) “todo Deus (feito) homem e todo o homem (subsistente em) Deus”.(13)

22. Não havendo, pois, dúvida alguma de que Jesus possuía um verdadeiro corpo humano, dotado de todos os sentimentos que lhe são próprios, entre os quais campeia o amor, do mesmo modo é muito verdade que ele foi provido de um coração físico em tudo semelhante ao nosso, não sendo possível que a vida humana, privada deste excelentíssimo membro do corpo, tenha a sua natural atividade afetiva. Por conseguinte, o coração de Cristo, unido hipostaticamente à pessoa divina do Verbo, sem dúvida deve ter palpitado de amor e de qualquer outro afeto sensível; contudo, esses sentimentos eram tão conformes e estavam tão em harmonia com a vontade humana, transbordante de caridade divina, e com o próprio amor infinito que o Filho tem com o Pai e com o Espírito Santo, que jamais se interpôs a mínima oposição e discórdia entre esses três amores.(14)

23. Todavia, o fato de haver o Verbo de Deus assumido a verdadeira e perfeita natureza humana, e de lhe ter sido plasmado e como que modelado um coração de carne que, não menos do que o nosso, fosse capaz de sofrer e de ser ferido, esse fato, digamos, se não é visto e considerado à luz que emana não só da união hipostática e substancial, mas também da verdade da redenção humana, que é, por assim dizer, o complemento daquela, a alguns poderia parecer “escândalo” e “loucura”, como de fato aos judeus e gentios pareceu “Cristo crucificado” (cf. 1 Cor 1, 23). Ora, os símbolos da fé, perfeitamente concordes com as divinas Escrituras, asseguram-nos que o Filho unigênito de Deus assumiu a natureza passível e mortal com a mira posta principalmente no sacrifício cruento da cruz, que ele desejava oferecer com o fim de realizar a obra da salvação do homem. Além disso, esta é a doutrina exposta pelo Apóstolo das gentes: “Porque aquele que santifica, e os santificados, todos tiram de um a sua origem. Razão pela qual ele não tem escrúpulos de chamá-los irmãos, dizendo: ‘Anunciarei teu nome a meus irmãos…’ Outrossim: `Eis-nos aqui, eu e meus filhos que Deus me deu’. E por isso que os filhos têm comuns a carne e o sangue, ele também participou das mesmas coisas… Pelo que, em tudo teve de se assemelhar a seus irmãos, afim de ser um pontífice misericordioso e fiel para com Deus, em ordem a expiar os pecados do povo. Já que, em razão de haver ele mesmo padecido e de ter sido tentado, pode também dar a mão aos que são tentados” (Hb 2, 11-14; 17-18).

3) O testemunho dos santos Padres em favor dos afetos sensíveis do Verbo encarnado

24. Os santos Padres, testemunhas verazes da doutrina revelada, advertiram muito oportunamente o que já Paulo apóstolo claramente significara, a saber: que o amor divino é como o princípio e a culminância da obra da encarnação e redenção. Lê-se freqüentemente nos escritos deles que Jesus Cristo tomou em si a natureza humana perfeita, o nosso corpo frágil e caduco, para nos proporcionar a salvação eterna e manifestar, patentear em forma sensível o seu infinito amor a nós.

25. Fazendo-se eco da voz do Apóstolo das gentes, são Justino escreve o seguinte: “Amamos e adoramos o Verbo nascido de Deus inefável e que não tem princípio; já que ele se fez homem por nós para que, tornado participante das nossas doenças, proporcionasse-nos o seu remédio”,(15) E s. Basílio, o primeiro dos três Padres da Capadócia, afirma que os afetos sensíveis de Cristo foram verdadeiros e ao mesmo tempo santos: “É manifesto que o Senhor possuiu os afetos naturais em confirmação da sua verdadeira, e não fantástica, encarnação; manifesto é também que ele repeliu como indignos da divindade os afetos viciosos, que mancham a pureza da nossa vida”.(16) Igualmente, s. João Crisóstomo, luminar da Igreja antioquena, confessa que as emoções sensíveis de que o Senhor deu mostra provam irrecusavelmente haver ele possuído integralmente a nossa natureza humana: “A não haver ele possuído a nossa natureza, não teria experimentado, uma e mais vezes, a tristeza”.(17) Entre os Padres latinos, merecem lembrança os que hoje a Igreja venera como doutores máximos. Santo Ambrósio afirma que a união hipostática é a origem natural dos afetos e sentimentos que o Verbo de Deus encarnado experimentou: “Portanto, já que ele tomou a alma, tomou as paixões da alma; pois Deus, como Deus que é, não podia perturbar-se nem morrer”.(18) Nessas mesmas reações apóia s. Jerônimo o principal argumento para provar que Cristo assumiu realmente a natureza humana: nosso Senhor entristeceu-se realmente, para manifestar a sua humana natureza.(19) Particularmente santo Agostinho faz notar a íntima união existente entre os sentimentos do Verbo encarnado e a finalidade da redenção humana: “O Senhor revestiu-se dos afetos da fragilidade humana, do mesmo modo que aceitou a fragilidade da nossa carne e a morte desta, não por necessária coação, mas sim pelo estímulo da sua misericórdia, para assimilar a si o seu corpo; que é a Igreja, da qual ele se dignou ser a cabeça, ou seja, assimilar seus membros em seus santos e fiéis; de modo que, se por efeito das tentações humanas algum deles se entristecesse e sofresse, nem por isso pensasse estar privado do influxo da sua graça; e, assim como um coro fica alerta à voz que lhe dá o tom, assim também o seu corpo soubesse da sua cabeça que por si mesmos, tais movimentos não são pecado, senão somente indício da humana fragilidade”,(20) Com maior concisão e não menor força estas passagens de s. João Damasceno atestam a doutrina da Igreja: “O Deus todo tomou todo o homem, e o todo se uniu ao todo para proporcionar a salvação do homem todo. De outra maneira não teria ele podido sanar aquilo que não assumiu”.(21) “Tomou, pois, tudo para santificar tudo”.(22)

4) O simbolismo natural do coração de Jesus Cristo afirmado veladamente na Sagrada Escritura e nos santos Padres

26. Bem verdade é que nem os autores sagrados, nem os Padres da Igreja que citamos, e outros semelhantes, embora provem abundantemente que Jesus Cristo esteve sujeito aos sentimentos e afetos humanos, e que, por isso precisamente, tomou a natureza humana a fim de nos proporcionar a eterna salvação, contudo não atribuem concretamente ditos afetos ao seu coração fisicamente considerado, apontando nele o símbolo do seu amor infinito. Embora os evangelistas e os outros autores sacros não nos descrevam abertamente o coração do nosso Redentor não menos vivo e sensível do que o nosso, e as palpitações e estremecimentos devidos às diversas emoções e afetos da sua alma e à ardentíssima caridade da sua dupla vontade, todavia freqüentemente põem em relevo o seu divino amor e as emoções sensíveis com ele relacionadas: o desejo, a alegria, a tristeza, o temor e a ira, consoante as expressões do seu olhar, das suas palavras e dos seus gestos. E, principalmente, o rosto adorável de nosso Salvador foi, sem dúvida, o índice e como que o espelho fidelíssimo dos afetos que, comovendo-lhe de vários modos a alma, à semelhança das ondas que se entrechocam, chegavam ao seu coração santíssimo e lhe excitavam as pulsações. Na verdade, a propósito de Jesus Cristo vale também o que o Doutor angélico, ensinado pela experiência, observa em matéria de psicologia humana e dos fenômenos dela derivados: “A turbação que a ira produz repercute nos membros externos, e principalmente naqueles em que mais se reflete a influência do coração, como são os olhos, o semblante, a língua”. (23)

27. Com muita razão, pois, o coração do Verbo encarnado é considerado índice e símbolo do tríplice amor com que o divino Redentor ama continuamente o Eterno Pai e todos os homens. Ele é, antes de tudo, símbolo do divino amor, que nele é comum com o Pai e com o Espírito Santo, e que só nele, como Verbo encarnado, se manifesta por meio do caduco e frágil instrumento humano, “pois nele habita corporalmente a plenitude da divindade” (Cl 2,9). Ademais, o coração de Cristo é símbolo de enérgica caridade, que, infundida em sua alma, constitui o precioso dote da sua vontade humana, e cujos atos são dirigidos e iluminados por uma dupla e perfeita ciência, a beatífica e a infusa. (24)Finalmente, e isto de modo mais natural e direto, o coração de Jesus é símbolo do seu amor sensível, já que o corpo de Jesus Cristo, plasmado no seio imaculado da Virgem Maria por obra do Espírito Santo, supera em perfeição, e portanto em capacidade perceptiva, qualquer outro organismo humano.(25)

28. Instruídos pelos sagrados textos e pelos símbolos da fé acerca da perfeita consonância e harmonia reinante na alma santíssima de Jesus Cristo, e a respeito do fato de haver ele dirigido com finalidade redentora todas as manifestações do seu tríplice amor, com toda segurança podemos contemplar e venerar no coração do Redentor divino a imagem eloqüente da sua caridade e o testemunho da nossa redenção, e como que uma mística escada para subir ao amplexo “de Deus nosso Salvador” (Tt 3, 4). Por isso, nas palavras, nos atos, nos ensinamentos, nos milagres, e especialmente nas obras mais esplendorosas do seu amor para conosco, como a instituição da divina eucaristia, a sua dolorosa paixão e morte, a benigna doação de sua santíssima Mãe, a fundação da Igreja para proveito nosso, e, finalmente, a missão do Espírito Santo sobre os apóstolos e sobre nós, em todas essas obras, repetimos, devemos admirar outros tantos testemunhos do seu tríplice amor, e meditar as pulsações do seu coração, com as quais ele quis medir os instantes da sua peregrinação terrena até o momento supremo em que, como atestam os evangelistas, “clamando com grande voz, disse: Tudo está consumado. E, inclinando a cabeça, entregou o espírito” (Mt 27, 50; Jo 19, 30). Então o seu coração parou e deixou de bater, e o seu amor sensível permaneceu como que suspenso, até que, triunfando da morte, ele se levantou do sepulcro. Depois que seu corpo conseguiu o estado da glória sempiterna e se uniu novamente à alma do divino Redentor, vitorioso da morte, o seu coração sacratíssimo nunca deixou nem deixará de palpitar com imperturbável e plácida pulsação, nem tampouco cessará de demonstrar o tríplice amor com que o Filho de Deus se une a seu Pai eterno e à humanidade inteira, de quem é, com pleno direito, a cabeça mística.

III
PARTICIPAÇÃO ATIVA E PROFUNDA QUE TEVE
O SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS
 NA MISSÃO SALVADORA DO REDENTOR

1) O sagrado coração de Jesus, símbolo de amor perfeito: sensível, espiritual, humano e divino, durante a vida terrena do Salvador

29. Agora, veneráveis irmãos, para que destas piedosas considerações possamos tirar abundantes e salutares frutos, bom é meditarmos e contemplarmos brevemente os múltiplos afetos humanos e divinos de nosso Salvador Jesus Cristo, dos quais; durante o curso da sua vida mortal, o seu coração participou e continua agora participando e não deixará de participar por toda a eternidade. Nas páginas do Evangelho é onde principalmente encontraremos a luz pela qual iluminados e fortalecidos poderemos penetrar no segredo deste divino coração, e admirar com o Apóstolo das gentes “as abundantes riquezas da graça (de Deus) na bondade usada conosco por amor de Jesus Cristo” (Ef 2,7).

30. O adorável coração de Jesus Cristo pulsa de amor ao mesmo tempo humano e divino desde que a virgem Maria pronunciou aquela palavra magnânima: “Fiat”, e o Verbo de Deus, como nota o Apóstolo, “ao entrar no mundo disse: Não quiseste sacrifício nem oferenda, mas me apropriaste um corpo; holocaustos pelo pecado não te agradaram. Então disse: Eis que venho: segundo está escrito de mim no princípio do livro, para cumprir, ó Deus, a tua vontade… Por esta vontade, pois, somos santificados pela oblação do corpo de Cristo feita uma só vez” (Hb 10,5-7.10). De maneira semelhante palpitava de amor o seu coração, em perfeita harmonia com os afetos da sua vontade humana e com o seu amor divino, quando, na casa de Nazaré, ele mantinha aqueles celestiais colóquios com sua dulcíssima Mãe e com seu pai putativo, s. José, a quem obedecia e com quem colaborava no fatigante ofício de carpinteiro. Esse mesmo tríplice amor movia o seu coração nas suas contínuas excursões apostólicas, quando realizava aqueles inúmeros milagres, quando ressuscitava os mortos ou restituía a saúde a toda sorte de enfermos, quando sofria aqueles trabalhos, suportava o suor, a fome e a sede; nas vigílias noturnas passadas em oração a seu Pai amado; e, finalmente, nos discursos que pronunciava e nas parábolas que propunha, especialmente naquelas que tratam da misericórdia, como a da dracma perdida, a da ovelha desgarrada e a do filho pródigo. Nessas palavras e nessas obras, como diz Gregório Magno, manifesta-se o próprio coração de Deus. “Conhece o coração de Deus nas palavras de Deus, para que com mais ardor suspires pelas coisas eternas”.(26)

31. De amor ainda maior pulsava o coração de Jesus Cristo quando da sua boca saíam palavras que inspiravam amor ardente. Assim, para dar algum exemplo, quando, ao ver as turbas cansadas e famintas, ele disse: “Tenho compaixão desta multidão” (Mc 8, 2), e quando, ao avistar Jerusalém, a sua cidade predileta, destinada a uma ruína fatal por causa da sua obstinação no pecado, exclamou: “Jerusalém, Jerusalém, que matas os profetas e apedrejas os que te são enviados: quantas vezes eu quis recolher teus filhos, como a galinha recolhe debaixo das asas os seus pintinhos, e não o quiseste!” (Mt 23, 37). O seu coração também palpitou de amor para com seu Pai, e de santa indignação, quando ele viu o comércio sacrílego que se fazia no templo, e verberou os violadores com estas palavras: “Escrito está: minha casa será chamada casa de oração; mas vós fizestes dela uma espelunca de ladrões” (Mt 21, 13).

32. Pois o seu coração bateu particularmente de amor e de pavor quando ele viu iminente a hora dos seus cruéis padecimentos, e quando experimentando uma repugnância natural às dores e à morte, exclamou: “Meu Pai, se é possível, passe de mim este cálice” (Mt 26,39); palpitou com amor invicto e com suma amargura quando, ao receber o beijo do traidor, dirigiu-lhe aquelas palavras que parecem o convite último do seu coração misericordioso ao amigo que com ânimo ímpio, infiel e obstinado, devia entregá-lo aos seus algozes: “Amigo, a que vieste? Com um beijo entregas o Filho do homem?” (Mt 26, 50; Lc 22, 48); palpitou de compaixão e de amor íntimo quando disse às piedosas mulheres que choravam a sua imerecida condenação ao suplício da cruz: “Filhas de Jerusalém, não choreis por mim; chorai por vós mesmas e por vossos filhos…, pois, se assim tratam a árvore verde, que se não fará à seca?” (Lc 23, 28.31).

33. Finalmente, quando o divino Redentor pendia da cruz, sentiu o seu coração arder dos mais vários e veementes afetos, isto é, de afetos de amor ardente, de consternação, de misericórdia, de desejo inflamado, de paz serena; afetos claramente manifestados naquelas palavras: “Pai, perdoa-lhes; porque eles não sabem o que fazem” (Lc 23, 34); “Deus meu, Deus meu, por que me abandonaste?” (Mt 27, 46); “Em verdade te digo que hoje estarás comigo no paraíso” (Lc 23, 43); “Tenho sede” (Jo 19, 28); “Pai, nas tuas mãos entrego meu espírito” (Lc 23, 46).

2) A eucaristia, a santíssima virgem e o sacerdócio são dons do coração amado de Jesus 

34. Quem poderá descrever dignamente as pulsações do coração divino, índices do seu infinito amor, naqueles momentos em que ele deu aos homens os seus mais apreciados dons, isto é, a si mesmo no sacramento da eucaristia, sua mãe santíssima, e a participação no oficio sacerdotal? 

35. Ainda antes de celebrar a última ceia com seus discípulos, ao pensar em que ia instituir o sacramento do seu corpo e do seu sangue, com cuja efusão devia confirmar-se a nova aliança, sentiu o seu coração agitado de intensa emoção, que ele manifestou aos seus apóstolos com estas palavras: “Ardentemente desejei comer convosco este cordeiro pascal antes da minha paixão” (Lc 22, 15); emoção que, sem dúvida, foi ainda mais veemente quando ele “tomou o pão, deu graças, partiu-o e deu-o a eles, dizendo: ‘Isto é meu corpo, que se dá por vós; fazei isto em memória de mim’. Do mesmo modo tomou o cálice, depois de haver ceado, dizendo: ‘Este cálice é a nova aliança em meu sangue, que por vós será derramado'”(Lc 22, 19-20).

36. Com razão, pois, pode-se afirmar que a divina eucaristia, como sacramento que ele dá aos homens e como sacrifício que ele mesmo continuamente imola “desde o nascente até o poente” (Ml 1, 11), e também o sacerdócio, são, sem dúvida, dons do sagrado coração de Jesus.

37. Dom igualmente precioso do mesmo sagrado coração é, como indicávamos, a santíssima Virgem, Mãe excelsa de Deus e Mãe amadíssima de todos nós, era justo que o gênero humano tivesse por mãe espiritual aquela que foi mãe natural do nosso Redentor, a ele associada na obra de regeneração dos filhos de Eva para a vida da graça. A propósito disso, escreve a respeito dela santo Agostinho: “Evidentemente ela é mãe dos membros do Salvador, que somos nós, porque com a sua caridade cooperou para que nascessem na Igreja os fiéis, que são membros daquela cabeça”.(27)

38. Ao dom incruento de si mesmo sob as espécies do pão e do vinho, Jesus Cristo nosso Salvador quis unir, como testemunho da sua caridade íntima e infinita, o sacrifício cruento da cruz. Fazendo isso, deu exemplo daquela sublime caridade que com as seguintes palavras ele mostrara aos seus discípulos como meta suprema de amor: “Ninguém tem amor maior do que aquele que dá sua vida pelos amigos” (Jo 15,13). Pelo que o amor de Jesus Cristo, Filho de Deus, revela no sacrifício do Gólgota, de modo o mais eloqüente, o amor do próprio Deus: “Nisto conhecemos a caridade de Deus: em haver ele dado sua vida por nós; e assim nós devemos dar a nossa vida por nossos irmãos” (1 Jo 3, 16). Certamente, o divino Redentor foi crucificado mais pela força do amor do que pela violência dos algozes, e o seu holocausto voluntário é dom supremo feito a cada um dos homens, segundo a incisiva expressão do Apóstolo: “Amou-me e entregou-se por mim” (Gl 2, 20).

3) Também a Igreja e os sacramentos são dons do sagrado coração de Jesus

39. Não se pode, pois, duvidar de que, participando intimamente da vida do Verbo encarnado, e pelo mesmo motivo sendo, não menos do que os demais membros da sua natureza humana, como que instrumento conjunto da Divindade na realização das obras da graça e da onipotência divina,(28) o sagrado coração de Jesus é também símbolo legítimo daquela imensa caridade que moveu o nosso Salvador a celebrar, com o derramamento do seu sangue, o seu místico matrimônio com a Igreja: “Sofreu a paixão por amor à Igreja que ele devia unir a si como esposa”.(29) Portanto, do coração ferido do Redentor nasceu a Igreja, verdadeira administradora do sangue da redenção, e do mesmo coração flui abundantemente a graça dos sacramentos, na qual os filhos da Igreja bebem a vida sobrenatural, como lemos na sagrada liturgia: “Do coração aberto nasce a Igreja desposada com Cristo… Tu, que do coração fazes manar a graça”.(30) A respeito desse símbolo, que nem mesmo dos antigos Padres, escritores e eclesiásticos foi desconhecido, o Doutor comum, fazendo-se eco deles, assim escreve: “Do lado de Cristo brotou água para lavar e sangue para redimir. Por isso, o sangue é próprio do sacramento da eucaristia; a água, do sacramento do batismo, o qual, entretanto, tem força para lavar em virtude do sangue de Cristo”.(31) O que aqui se afirma do lado de Cristo, ferido e aberto pelo soldado, cumpre aplicá-lo ao seu coração, ao qual, sem dúvida, chegou a lançada desfechada pelo soldado precisamente para que constasse de maneira certa a morte de Jesus Cristo. Por isso, durante o curso dos séculos, a ferida do coração sacratíssimo de Jesus, morto já para esta vida mortal, tem sido a imagem viva daquele amor espontâneo com que Deus entregou seu Unigênito pela redenção dos homens, e com o qual Cristo nos amou a todos tão ardentemente que a si mesmo se imolou como hóstia cruenta no Calvário: “Cristo amou-nos e ofereceu-se a Deus em oblação e hóstia de odor suavíssimo” (Ef 5, 2).

4) O sagrado coração de Jesus, símbolo do seu tríplice amor a humanidade na vida gloriosa do céu

40. Depois que o nosso Salvador subiu ao céu com seu corpo glorificado, e se sentou à direita de Deus Pai, não tem cessado de amar sua esposa, a Igreja, com aquele amor inflamado que palpita no seu coração. Traz nas mãos, nos pés e no lado os esplendentes sinais das suas feridas, troféus da sua tríplice vitória: contra o demônio, contra o pecado e contra a morte. E traz no seu coração, como em preciosa arca aqueles imensos tesouros de méritos, frutos dessa tríplice vitória, os quais ele com largueza distribui ao gênero humano. É essa uma verdade consoladora, ensinada pelo Apóstolo das gentes quando escreve: “Ao subir para o alto, levou consigo cativa uma grande multidão de cativos e derramou seus dons sobre os homens… Aquele que desceu, esse mesmo foi o que ascendeu sobre todos os céus, para dar cumprimento a todas as coisas” (Ef 4, 8.10).

5) Os dons do Espírito Santo também são dons do coração adorável de Jesus

41. A missão do Espírito Santo junto aos discípulos é o primeiro e esplêndido sinal do seu amor munificente, depois da sua subida triunfal à direita do Pai. Aos dez dias, o Espírito Paráclito, dado pelo Pai celestial, baixou sobre eles, reunidos no cenáculo, segundo a promessa que ele lhes fizera na última ceia: “Rogarei ao Pai, e ele vos dará outro Consolador para estar convosco eternamente” (Jo 14, 16). O qual Espírito Paráclito, sendo, como é, o amor mútuo pessoal com que o Pai ama o Filho e o Filho ama o Pai, por ambos é enviado, e, sob forma de línguas de fogo, infunde na alma dos discípulos a abundância da caridade divina e dos demais carismas celestes. Esta infusão da caridade divina brotou também do coração de nosso Salvador, “no qual estão encerrados todos os tesouros da sabedoria e da ciência” (Cl 2, 3). Essa caridade é, portanto, dom do coração de Jesus e do seu Espírito. A esse comum Espírito do Pai e do Filho deve-se o nascimento e a propagação admirável da Igreja no meio de todos os povos pagãos, contaminados pela idolatria, pelo ódio fraterno, pela corrupção de costumes e pela violência. Foi essa divina caridade, dom preciosíssimo do coração de Cristo e do seu Espírito, que deu aos apóstolos e aos mártires aquela fortaleza com que eles lutaram até uma morte heróica, para pregarem a verdade evangélica e testemunhá-la com o seu sangue; foi ela que deu aos doutores da Igreja aquele zelo intenso por ilustrar e defender a fé católica; foi ela que alimentou as virtudes nos confessores e os excitou a levarem a cabo obras admiráveis e úteis, para a própria santificação, para a salvação eterna e temporal do próximo; e, finalmente, foi ela que persuadiu as virgens a espontânea e alegremente renunciarem aos gozos dos sentidos e se consagrarem inteiramente ao amor do esposo celeste. A essa divina caridade, que transborda do coração do Verbo encarnado e por obra do Espírito Santo se difunde nas almas de todos os crentes, o Apóstolo das gentes entoou aquele hino de vitória que exalta a um tempo o triunfo de Jesus Cristo cabeça e o triunfo dos membros do seu corpo místico, sobre todos quantos de algum modo obstam ao estabelecimento do reino divino de amor entre os homens: “Quem poderá separar-nos do amor de Cristo? A tribulação? Ou a angústia? Ou a fome? Ou a nudez? Ou o risco? Ou a perseguição? Ou o cutelo?… Por meio de todas essas coisas triunfamos por virtude daquele que nos amou. Pelo qual estou seguro de que nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem as virtudes, nem o presente, nem o futuro, nem a força, nem o que há de mais alto, nem de mais profundo, nem outra criatura, poderá jamais separar-nos do amor de Deus que se funda em Jesus Cristo nosso Senhor” (Rm 8,35.37-39).

6) O culto ao coração sacratíssimo de Jesus é o culto da pessoa do Verbo encarnado

42. Nada, portanto, proíbe que adoremos o coração sacratíssimo de Jesus Cristo, enquanto é participante, símbolo natural e sumamente expressivo daquele amor inexaurível em que ainda hoje o divino Redentor arde para com os homens. Mesmo quando já não está submetido às perturbações desta vida mortal, ainda então ele vive, palpita, e está unido de modo indissolúvel com a pessoa do Verbo divino, e, nela e por ela, com a sua divina vontade. Superabundando o coração do Cristo de amor divino e humano, e sendo imensamente rico com os tesouros de todas as graças que o nosso Redentor adquiriu com sua vida, seus padecimentos e sua morte, ele é, sem dúvida, uma fonte perene daquela caridade que o seu Espírito infunde em todos os membros do seu corpo místico.

43. Assim, pois, o coração do nosso Salvador reflete de certo modo a imagem da divina pessoa do Verbo, e, igualmente, das suas duas naturezas: humana e divina; e nele podemos considerar não só um símbolo, mas também como que um compêndio de todo o mistério da nossa redenção. Quando adoramos o coração de Jesus Cristo, nele e por ele adoramos tanto o amor incriado do Verbo divino como seu amor humano e os seus demais afetos e virtudes, já que um e outro amor moveu o nosso Redentor a imolar-se por nós e por toda a Igreja, sua esposa, segundo a sentença do Apóstolo: “Cristo amou a sua Igreja e sacrificou-se por ela para santificá-la, lavando-a no batismo de água com a palavra de vida, a fim de fazê-la comparecer perante si cheia de glória, sem mancha, nem ruga, nem coisa semelhante, mas santa e imaculada” (Ef 5, 25-27).

44. Assim como amou a Igreja, Cristo continua amando-a intensamente, com aquele tríplice amor de que falamos (cf. 1 Jo 2,1); e esse amor é que o impele a fazer-se nosso advogado para nos obter do Pai graça e misericórdia, “estando sempre vivo para interceder por nós” (Hb 7, 25). As preces que brotam do seu inesgotável amor, dirigidas ao Pai, não sofrem interrupção alguma. Como nos dias da sua carne” (Hb 5,7), também agora, que está triunfante no céu, ele suplica o Pai com não menor eficácia; e aquele que “amou tanto o mundo que deu seu Filho unigênito, afim de que todos os que nele crêem não pereçam, mas vivam vida eterna” (Jo 3,16). Ele mostra o seu coração vivo e como ferido e inflamado de um amor mais ardente do que quando, já exânime, o feriu a lança do soldado romano: “Por isto foi ferido (o teu coração), para que pela ferida visível víssemos a ferida invisível do amor”.(32)

45. Por conseguinte, não pode haver dúvida alguma de que, ante as súplicas de tão grande advogado, e feitas com tão veemente amor, o Pai celestial, “que não perdoou seu próprio filho, mas o entregou por todos nós” (Rm 8, 32), por meio dele derramará incessantemente sobre todos os homens a abundância das suas graças divinas.

IV
NASCIMENTO E DESENVOLVIMENTO PROGRESSIVO
DO CULTO
 AO SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS 

1) Albores do culto ao sagrado coração na devoção às chagas sacrossantas da paixão

46. À vossa consideração, veneráveis irmãos, e à do povo cristão quisemos expor em suas linhas gerais a íntima natureza e as perenes riquezas do culto ao coração sacratíssimo de Jesus, atendo-nos à doutrina da revelação divina como à sua fonte primária. Estamos persuadidos de que estas nossas reflexões, ditadas pelo próprio ensinamento do Evangelho, mostraram claramente como, em substância, este culto não é outra coisa senão o culto ao amor divino e humano do Verbo encarnado, e também o culto àquele amor com que o Pai e o Espírito Santo amam os homens pecadores. Porque, como observa o Doutor angélico, a caridade das três Pessoas divinas é o princípio da redenção humana nisto que inundando copiosamente a vontade humana de Jesus Cristo e o seu coração adorável, com a mesma caridade o induziu a derramar o seu sangue para nos resgatar da servidão do pecado:(33) “Com um batismo tenho de ser batizado, e como me sinto oprimido enquanto ele não se cumpre!” (Lc 12,50). 

47. Aliás, é persuasão nossa que o culto tributado ao amor de Deus e de Jesus Cristo para com o gênero humano, através do símbolo augusto do coração transfixado do Redentor, nunca esteve completamente ausente da piedade dos fiéis, embora a sua manifestação clara e a sua admirável difusão em toda a Igreja se haja realizado em tempos não muito distantes de nós, sobretudo depois que o próprio Senhor revelou este divino mistério a alguns de seus filhos após havê-los cumulado com abundância de dons sobrenaturais, e os elegeu para seus mensageiros e arautos.

48. De fato, sempre houve almas especialmente consagradas a Deus que, inspirando-se nos exemplos da excelsa mãe de Deus, dos apóstolos e de insignes padres da Igreja, tributaram culto de adoração, de ação de graças e de amor à humanidade santíssima de Cristo, e de modo especial às feridas abertas no seu corpo pelos tormentos da paixão salvadora.

49. Aliás, como não reconhecer nas próprias palavras: “Senhor meu e Deus meu” (Jo 20,28), pronunciadas pelo apóstolo Tomé e reveladoras da sua súbita transformação de incrédulo em fiel, uma clara profissão de fé, de adoração e de amor, que da humanidade chagada do Salvador se elevava até a majestade da Pessoa divina?

50. Mas, ainda que o coração ferido do Redentor tenha sempre levado os homens a venerarem o seu infinito amor a tempos sempre tiveram valor as palavras do profeta Zacarias que o evangelista João aplicou a Jesus crucificado: “Verão a quem traspassaram” (Jo 19,37; cf. Zc 12,10), todavia cumpre reconhecer que só gradualmente esse coração chegou a ser objeto de culto especial, como imagem do amor humano e divino do Verbo encarnado. 

2) Princípio e progresso do culto ao sagrado coração na Idade Média e nos séculos seguintes

51. Querendo agora indicar somente as etapas gloriosas percorridas por este culto na história da piedade cristã, mister é recordar, antes de tudo, os nomes de alguns daqueles que bem podem ser considerados os porta-estandartes desta devoção, a qual, em forma privada e de modo gradual, foi-se difundindo cada vez mais nos institutos religiosos. Assim, por exemplo, distinguiram-se por haver estabelecido e promovido cada vez mais este culto ao coração sacratíssimo de Jesus: s. Boaventura, s. Alberto Magno, s. Gertrudes, s. Catarina de Sena, o Beato Henrique Suso, s. Pedro Canísio e s. Francisco de Sales. A s. João Eudes deve-se o primeiro ofício litúrgico em honra do sagrado coração de Jesus, cuja festa se celebrou pela primeira vez, com o beneplácito de muitos bispos de França, a 20 de outubro de 1672. Mas entre todos os promotores desta excelsa devoção merece lugar especial s. Margarida Maria Alacoque, que, com a ajuda do seu diretor espiritual, o beato Cláudio de la Colombière, e com o seu ardente zelo, conseguiu, não sem admiração dos féis, que este culto adquirisse um grande desenvolvimento e, revestido das características do amor e da reparação, se distinguisse das demais formas da piedade cristã.(34)

52. Basta essa evocação daquela época em que se propagou o culto do coração de Jesus para nos convencermos plenamente de que o seu admirável desenvolvimento se deve principalmente ao fato de se achar ele em tudo conforme com a índole da religião cristã, que é religião de amor. Por conseguinte, não se pode dizer nem que este culto deve a sua origem a revelações privadas, nem que apareceu de improviso na Igreja, mas sim que brotou espontaneamente da fé viva, da piedade fervorosa de almas prediletas para com a pessoa adorável do Redentor e para com aquelas suas gloriosas feridas, testemunhos do seu amor imenso que intimamente comovem os corações. Evidente é, portanto, que as revelações com que foi favorecida s. Margarida Maria não acrescentaram nada de novo à doutrina católica. A importância delas consiste em que – ao mostrar o Senhor o seu coração sacratíssimo – de modo extraordinário e singular quis atrair a consideração dos homens para a contemplação e a veneração do amor misericordioso de Deus para com o gênero humano. De fato, mediante manifestação tão excepcional, Jesus Cristo expressamente e repetidas vezes indicou o seu coração como símbolo com que estimular os homens ao conhecimento e à estima do seu amor; e ao mesmo tempo constituiu-o sinal e penhor de misericórdia e de graça para as necessidades da Igreja nos tempos modernos. 

3) Aprovação pontifícia da festa  do coração sacratíssimo de Jesus

53. Prova evidente de que este culto promana das próprias fontes do dogma católico dá-a o fato de haver a aprovação da festa litúrgica pela Sé Apostólica precedido a aprovação dos escritos de s. Margarida Maria. Na realidade, independentemente de toda revelação privada, e secundando só os desejos dos féis, por decreto de 25 de janeiro de 1765, aprovado pelo nosso predecessor Clemente XIII, a 6 de fevereiro do mesmo ano, a Sagrada Congregação dos Ritos concedeu aos bispos da Polônia e à arquiconfraria romana do sagrado coração de Jesus a faculdade de celebrar a festa litúrgica. Com esse ato, quis a Santa Sé que tomasse novo incremento um culto já em vigor, cujo fim era “reavivar simbolicamente a lembrança do amor divino” (35) que levara o Salvador a fazer-se vítima de expiação pelos pecados dos homens.

54. A essa primeira aprovação, dada em forma de privilégio e limitadamente, seguiu-se, a distância de quase um século, outra de importância muito maior, e expressa em termos mais solenes. Referimo-nos ao decreto da Sagrada Congregação dos Ritos de 23 de agosto de 1856, anteriormente mencionado, com o qual o nosso predecessor Pio IX, de imortal memória, acolhendo as súplicas dos bispos da França e de quase todo o orbe católico, estendeu a toda a Igreja a festa do coração sacratíssimo de Jesus, e prescreveu a sua celebração litúrgica.(36) Esse fato merece ser recomendado à lembrança perene dos fiéis, pois, como vemos escrito na própria liturgia da festa, “desde então o culto do sacratíssimo coração de Jesus, semelhante a um rio que transborda, superou todos os obstáculos e difundiu-se pelo mundo todo”.

55. De quanto até agora expusemos, veneráveis irmãos, aparece evidente que é nos textos da Sagrada Escritura, na tradição e na sagrada liturgia que os fiéis hão de encontrar principalmente os mananciais límpidos e profundos do culto ao coração sacratíssimo de Jesus, se desejam penetrar na sua íntima natureza e tirar da sua piedosa meditação alimento e incremento do fervor religioso. Iluminada, e penetrando nela mais intimamente mediante esta meditação assídua, a alma fiel não poderá deixar de chegar àquele doce conhecimento da caridade de Cristo no qual se resume toda a vida cristã, tal como, instruído pela própria experiência, o ensina o Apóstolo: “Por esta causa dobro meus joelhos ante o Pai de nosso Senhor Jesus Cristo…, para que, segundo as riquezas de sua glória, vos conceda por meio do seu Espírito serdes fortalecidos em virtude no homem interior, e para que Cristo habite pela fé nos vossos corações, estando vós arraigados e cimentados em caridade; a ~m de que possais conhecer também aquele amor de Cristo que sobrepuja todo conhecimento, para serdes plenamente cumulados de toda a plenitude de Deus” (Ef 3,14.16-19). Dessa plenitude universal é precisamente imagem esplendida o coração de Jesus Cristo: plenitude da misericórdia própria do Novo Testamento, no qual “Deus nosso Salvador manifestou a sua benignidade e amor para com os homens” (Tt 3,4); pois “Deus não enviou seu Filho ao mundo para condenar o mundo, mas sim para que, por meio dele, o mundo se salve” (Jo 3,17).

4) Espiritualidade e excelência do culto ao coração sacratíssimo de Jesus

56. Desde quando promulgou os primeiros documentos oficiais relativos ao culto do coração sacratíssimo de Jesus, tem sido constante persuasão da Igreja, mestra da verdade para os homens, que os elementos essenciais desse culto, quer dizer, os atos de amor e de reparação tributados ao amor infinito de Deus para com os homens, longe de estarem contaminados de materialismo e de superstição, constituem uma forma de piedade em que se põe plenamente em prática aquela religião espiritual e verdadeira que o próprio Salvador anunciou à samaritana: “Já chega o tempo, e já estamos nele, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade” (Jo 4,23-24).

57. Lícito não é, portanto, afirmar que a contemplação do coração físico de Jesus impede de chegar ao amor íntimo de Deus e retarda o progresso da alma no caminho que leva à posse das mais excelsas virtudes. A Igreja repele completamente esse falso misticismo, como, por boca do nosso predecessor Inocêncio XI, de feliz memória, condenou a doutrina dos que divulgavam que não devem (as almas desta via interior) fazer atos de amor à santíssima Virgem, aos santos ou a humanidade de Cristo, porque, sendo sensíveis estes objetos, o amor que a eles se dirige também há de ser sensível. Nenhuma criatura, nem mesmo a santíssima Virgem e os santos, deve penetrar no nosso coração, porque só Deus quer ocupá-lo e possuí-lo”. (37)Os que assim pensam são, naturalmente, de opinião que o simbolismo do coração de Cristo não se estende a mais do que ao seu amor sensível, e que, por conseguinte, não pode constituir novo fundamento do culto de latria, culto reservado só àquilo que é essencialmente divino. Ora, interpretação semelhante das sagradas imagens, todos vêem que é absolutamente falsa, porque lhes coarcta injustamente o significado. Contrária é a isso a opinião e o ensino dos teólogos católicos, e entre eles s. Tomás assim escreve: “Às imagens tributa-se culto religioso, não consideradas em si mesmas, quer dizer, enquanto realidades, mas sim enquanto imagens que nos levam até Deus encarnado. O movimento da alma para a imagem enquanto imagem não pára nesta, mas tende ao objeto por ela representado. Por conseguinte, do fato de tributar culto religioso às imagens de Cristo não resulta um culto de latria diverso nem uma virtude de religião diferente”.(38) À própria pessoa do Verbo chega, pois, o culto relativo tributado às suas imagens, sejam estas as relíquias da sua acerba paixão, seja a imagem que supera todas em valor expressivo, quer dizer, o coração ferido de Cristo crucificado.

58. E, assim, do elemento corpóreo, que é o coração de Jesus Cristo, e do seu natural simbolismo, é legítimo e justo que, levados pelas asas da fé, nos elevemos não só à contemplação do seu amor sensível, porém a mais alto, até à consideração e adoração do seu excelentíssimo amor infuso, e, finalmente, num vôo sublime e doce ao mesmo tempo, até à meditação e adoração do amor divino do Verbo encarnado; já que à luz da fé, pela qual cremos que na pessoa de Cristo estão unidas a natureza humana e a natureza divina, podemos conceber os estreitíssimos vínculos que existem entre o amor sensível do coração físico de Jesus e o seu duplo amor espiritual, o humano e o divino. Em realidade, não devem esses amores ser considerados simplesmente como coexistentes na adorável pessoa do Redentor divino, mas também como unidos entre si com vínculo natural, nisto que ao amor divino estão subordinados o humano, o espiritual e o sensível, os quais são uma representação analógica daquele. Com isso não pretendemos que no coração de Jesus se deva ver e adorar a chamada imagem formal, quer dizer, a representação perfeita e absoluta do seu amor divino, não sendo possível, como não é, representar adequadamente por qualquer imagem criada a íntima essência desse amor; mas a alma fiel, venerando o coração de Jesus, adora juntamente com a Igreja o símbolo e como que a marca da caridade divina, caridade que com o coração do Verbo encarnado chegou até a amar o gênero humano contaminado de tantos crimes.

59. Portanto, neste assunto tão importante como delicado, é necessário ter sempre presente que a verdade do simbolismo natural, que relaciona o coração físico de Jesus com a pessoa do Verbo, repousa toda na verdade primária da união hipostática; quem isto negasse renovaria erros mais de uma vez condenados pela Igreja, por contrários à unidade da pessoa de Cristo em duas naturezas íntegras e distintas.

60. Essa verdade fundamental permite-nos entender como o coração de Jesus é o coração de uma pessoa divina, quer dizer, do Verbo encarnado, e que, por conseguinte, representa e nos põe ante os olhos todo o amor que ele nos teve e ainda nos tem. E aqui está a razão por que, na prática, o culto ao sagrado coração é considerado como a mais completa profissão da religião cristã. Verdadeiramente, a religião de Jesus Cristo funda-se toda no Homem-Deus mediador; de maneira que não se pode chegar ao coração de Deus senão passando pelo coração de Cristo, conforme o que ele mesmo afirmou: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida. Ninguém vem ao Pai senão por mim” (Jo 14,6). Assim sendo, facilmente deduzimos que, pela própria natureza das coisas, o culto ao sacratíssimo coração de Jesus é o culto ao amor com que Deus nos amou por meio de Jesus Cristo, e, ao mesmo tempo, o exercício do amor que nos leva a Deus e aos outros homens; ou, dito por outra forma, este culto dirige-se ao amor de Deus para conosco, propondo-o como objeto de adoração, de ação de graças e de imitação; e tem por fim a perfeição do nosso amor a Deus e aos homens mediante o cumprimento cada vez mais generoso do mandamento “novo”, que o divino Mestre legou como sagrada herança aos seus apóstolos quando lhes disse: “Um novo mandamento vos dou: que vos ameis uns aos outros, como eu vos amei… O meu preceito é que vos ameis uns aos outros, como eu vos amei” (Jo 13,34; 15,12). Esse mandamento, verdadeiramente, é “novo” e “próprio” de Cristo; porque, como diz s. Tomás de Aquino: “Pouca diferença há entre o Antigo e o Novo Testamento; pois, como diz Jeremias: ‘Farei um pacto novo com a casa de Israel’ (Jr 31,31). Porém que este mandamento se praticasse no Antigo Testamento a impulsos de um santo temor e amor, isto pertencia ao Novo Testamento; de sorte que este mandamento existia na antiga lei não como próprio dela, porém como preparação da nova lei”.(39)

V
EXORTAÇÃO À PRÁTICA
 

MAIS PURA E MAIS EXTENSA DO CULTO
AO SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS

1) Convite a compreender e praticar melhor as várias formas da devoção ao coração de Jesus

61. Antes de terminarmos as considerações tão belas e tão consoladoras que vos estamos fazendo sobre a natureza autêntica deste culto e a sua cristã excelência, nós, cônscios do ofício apostólico confiado em primeiro lugar a s. Pedro depois que ele por três vezes professou o seu amor a Jesus Cristo nosso Senhor, julgamos conveniente, veneráveis irmãos, exortar-vos uma vez mais, e por vosso intermédio exortar todos os caríssimos filhos que em Cristo temos, a que vos esforceis com crescente entusiasmo por promover esta suavíssima devoção, pois confiamos que dela hão de brotar grandes proveitos também nos nossos tempos.

62. Em verdade, se se ponderam devidamente os argumentos em que se funda o culto ao coração ferido de Jesus, todos verão claramente não se tratar aqui de uma forma qualquer de piedade, que se possa pospor a outras ou ter em menos, mas sim de uma prática religiosa sumamente apta para conseguir a perfeição cristã. Se segundo o conceito teológico tradicional, expresso pelo Doutor angélico – “a devoção não é outra coisa senão a vontade pronta de se dedicar a tudo o que se relaciona com o serviço de Deus”,(40) pode haver serviço divino mais devido e mais necessário, e ao mesmo tempo mais nobre e mais suave, daquele que se presta ao seu amor? Que coisa pode haver mais grata e mais aceita a Deus do que o serviço que se faz à caridade divina, e que se faz por amor, sendo, como é, todo serviço voluntário, de certo modo, um dom, e constituindo o amor “o dom primeiro e origem de todos os dons gratuitos”? (41) Digna é, pois, de sumo apreço uma forma de culto mediante a qual o homem ama e honra mais a Deus e se consagra com maior facilidade e liberdade à caridade divina; forma de culto que o nosso próprio Redentor se dignou propor e recomendar ao povo cristão, e que os sumos pontífices confirmaram com memoráveis documentos e enalteceram com grandes louvores. Por isso, quem tivesse em pouco esse insigne benefício que Jesus Cristo deu à sua Igreja, procederia temerária e perniciosamente, e ofenderia o próprio Deus.

63. Isso posto, não se pode duvidar de que os cristãos que honram o sacratíssimo coração do Redentor cumprem o dever, por demais gravíssimo, que eles têm de servir a Deus, e que justamente se consagram a si mesmos e todas as suas coisas, seus sentimentos interiores e sua atividade exterior, ao seu Criador e Redentor, e que desse modo observam aquele divino mandamento: “Amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma, com toda a tua mente e com todas as tuas forças” (Mc 12,30; Mt 22,37). Além disso, têm a certeza de que honrar a Deus não os move principalmente o proveito pessoal, corporal ou espiritual, temporal ou eterno, e sim a bondade do próprio Deus, a quem eles procuram obsequiar com correspondência de amor, com atos de adoração e com a devida ação de graças. Se assim não fora, o culto ao sacratíssimo coração de Jesus não corresponderia ao caráter genuíno da religião cristã, visto que com tal culto o homem não honraria principalmente o amor divino; e não sem motivo, como às vezes sucede, poder-se-ia increpar de excessivo amor e solicitude de si mesmos os que entendem mal esta nobilíssima devoção ou não a praticam convenientemente.

64. Tenham, pois, todos a firme persuasão de que no culto ao augustíssimo coração de Jesus o mais importante não são as práticas externas de piedade, e que o motivo principal de abraçá-lo não deve ser a esperança dos benefícios que Cristo nosso Senhor prometeu em revelações, e estas privadas, precisamente para que os homens cumpram com mais fervor os principais deveres da religião católica, a saber: o dever do amor e o da expiação, e assim também obtenham da melhor maneira o seu próprio proveito espiritual.

65. Exortamos, pois, todos os nossos filhos em Cristo a praticarem com entusiasmo esta devoção, tanto os que já costumam beber as águas salutares que manam do coração do Redentor, como sobretudo os que, à guisa de espectadores, olham de longe, com curiosidade e dúvida. Considerem esses com atenção tratar-se, como já dissemos, de um culto desde há tempos arraigado na Igreja, e que se apóia solidamente nos próprios Evangelhos; de um culto em favor do qual está claramente a tradição e a sagrada liturgia, e que os próprios pontífices romanos exaltaram com muitos e grandes louvores; pois não se contentaram com instituir uma festa em honra do coração do Redentor e estendê-la a toda a Igreja, mas ainda tomaram a iniciativa de dedicar e consagrar com rito solene todo o gênero humano ao mesmo sacratíssimo coração.(42) Considerem, finalmente, os frutos copiosos e consoladores que a Igreja tem colhido desta devoção: inúmeras conversões à religião católica, a fé de muitos reavivada, a união mais estreita dos cristãos com o nosso amantíssimo Redentor; frutos esses todos que, sobretudo nestes últimos decênios, têm sido observados com maior freqüência e esplendor.

66. Ao contemplarmos este magnífico espetáculo da extensão e do fervor com que a devoção ao sacratíssimo coração de Jesus se tem propagado em toda classe de fiéis, sentimo-nos cheios de alegria e de consolação; e, depois de darmos as devidas graças ao nosso Redentor, que é tesouro infinito de bondade, não podemos deixar de nos congratular paternalmente com todos os que têm contribuído eficazmente para promover este culto, pertençam eles ao clero ou as fileiras dos simples féis.

2) Grande utilidade do culto ao sagrado coração de Jesus nas atuais necessidades da Igreja

67. Veneráveis irmãos, embora a devoção ao sagrado coração de Jesus tenha produzido em toda parte frutos salutares de vida cristã, contudo ninguém ignora que a Igreja militante na terra, e sobretudo a sociedade civil, ainda não alcançaram o grau de perfeição que corresponde aos desejos de Jesus Cristo, esposo místico da Igreja e Redentor do gênero humano. Não são poucos os filhos da Igreja que com numerosas manchas e rugas deturpam o rosto materno que em si mesmos refletem; nem todos os cristãos brilham por santidade de costumes, à qual por vocação divina são chamados; nem todos os pecadores que em má hora abandonaram a casa paterna têm voltado para de novo vestir-se nela com “a veste preciosa” (Lc 15,22) e pôr no dedo o anel, símbolo de fidelidade para com o esposo de sua alma; nem todos os infiéis se incorporaram ainda ao corpo místico de Cristo. Há mais. Porque, se bem que nos encha de amarga dor o ver a fé definhar nos bons, e contemplar como, pelo falaz atrativo dos bens terrenos, lhes decresce nas almas e aos poucos se apaga o fogo da caridade divina, muito mais nos atormentam as maquinações dos ímpios, que, agora mais do que nunca, parecem incitados pelo inimigo infernal no seu ódio implacável e aberto contra Deus, contra a Igreja e, sobretudo, contra aquele que representa na terra a pessoa do divino Redentor e a sua caridade para com os homens, consoante a conhecidíssima frase do doutor de Milão, “(Pedro) é interrogado sobre aquilo de que há dúvida, mas não o duvida o Senhor; pergunta, não para saber, mas para ensinar àquele que, na sua ascensão ao céu, ele nos deixava como vigário do seu amor“.(43)

68. Certamente, o ódio contra Deus e contra os que legitimamente lhe fazem as vezes é o maior crime que o homem pode cometer, criado como foi este à imagem e semelhança de Deus, destinado a gozar da sua amizade perfeita e eterna no céu; visto que peio ódio a Deus o homem se afasta o mais possível do sumo Bem, sente-se impelido a repelir de si e do seu próximo tudo quanto vem de Deus, tudo quanto une com Deus, tudo quanto conduz a gozar de Deus, ou seja a verdade, a virtude, a paz e a justiça.(44)

69. Podendo, pois, observar que, por desgraça, cresce em algumas partes o número dos que se jactam de ser inimigos do Senhor eterno, e que os falsos princípios do “materialismo” se difundem teórica e praticamente; e ouvindo como continuamente se exalta a licença desenfreada das paixões, como estranharmos que em muitas almas se arrefeça a caridade, que é a suprema lei da religião cristã, o fundamento mais firme da verdadeira e perfeita justiça, o manancial mais abundante da paz e das castas delícias? Já o advertiu o nosso Salvador: “Pela inundação dos vícios, arrefecer-se-á a caridade de muitos” (Mt 24;12). 

3) O culto ao sagrado coração de Jesus, lábaro de salvação também para o mundo moderno 

70. À vista de tantos males que, hoje como nunca, transtornaram profundamente os indivíduos, as famílias, as nações e o orbe inteiro, onde acharmos, veneráveis irmãos, um remédio eficaz? Poderemos encontrar alguma devoção que se avantaje ao culto augustíssimo do coração de Jesus, que corresponda melhor à índole própria da fé católica, que com mais eficácia satisfaça as necessidades atuais da Igreja e do gênero humano? Que homenagem religiosa mais nobre, mais suave e mais salutar do que este culto que se dirige todo à própria caridade de Deus? (45) Por último, que pode haver de mais eficaz do que a caridade de Cristo – que a devoção ao sagrado coração promove e fomenta cada dia mais – para estimular os cristãos a praticarem em sua vida a lei evangélica, sem a qual não é possível haver entre os homens paz verdadeira, como claramente ensinam aquelas palavras do Espírito Santo: “Obra da justiça será a paz” (Is 32,17)?

71. Pelo que, seguindo o exemplo do nosso imediato antecessor, queremos lembrar de novo a todos os nossos filhos em Cristo a exortação que, ao expirar o século passado, Leão XIII, de feliz memória, dirigiu a todos os cristãos e a quantos se sentiam sinceramente preocupados com a sua própria salvação e com a salvação da sociedade civil: “Vede hoje ante vossos olhos um segundo lábaro consolador e divino: o sacratíssimo coração de Jesus…, que brilha com refulgente esplendor por entre as chamas. Nele devemos pôr toda a nossa confiança; a ele devemos suplicar e dele devemos esperar a nossa salvação”.(46)

72. Também vivamente desejamos que todos os que se gloriam do nome de cristãos e lutam ativamente por estabelecer o reino de Jesus Cristo no mundo, considerem a devoção ao coração de Jesus como bandeira e manancial de unidade, de salvação e de paz. Ninguém pense que esta devoção prejudique no que quer que seja as outras formas de piedade com que, sob a direção da Igreja, o povo cristão venera o divino Redentor. Ao contrário, uma fervorosa devoção ao coração de Jesus fomentará e promoverá, sobretudo, o culto a santíssima cruz, não menos do que o amor ao augustíssimo sacramento do altar. E, em realidade – como o evidenciam as revelações de Jesus Cristo a s. Gertrudes e a s. Margarida Maria – podemos afirmar que ninguém chegará a sentir devidamente a respeito de Jesus Cristo crucificado se não for penetrando nos arcanos do seu coração: Nem será fácil entender o ímpeto do amor com que Jesus Cristo se deu a nós por alimento espiritual se não é fomentando a devoção ao coração eucarístico de Jesus; a qual – para nos valermos das palavras do nosso predecessor Leão XIII, de feliz memória – nos recorda “aquele ato de amor supremo com que, entornando todas as riquezas do seu coração, afim de prolongar a sua estada conosco até a consumação dos séculos, o nosso Redentor instituiu o adorável sacramento da eucaristia”.(47) Certamente, “não é pequena a parte que na eucaristia teve o seu coração, sendo tão grande o amor do seu coração com que ele nô-la deu”.(48)

73. Finalmente, desejando ardentemente opor segura barreira as ímpias maquinações dos inimigos de Deus e da Igreja, como também fazer as famílias e as nações voltarem ao amor de Deus e do próximo, não duvidamos em propor a devoção ao sagrado coração de Jesus como escola eficacíssima de caridade divina; dessa caridade divina sobre a qual se há de construir o reino de Deus nas almas dos indivíduos, na sociedade doméstica e nas nações, como sabiamente advertiu o nosso mesmo predecessor, de piedosa memória: “Da caridade divina recebe o reino de Jesus Cristo a sua força e a sua beleza; o seu fundamento e a sua síntese é amar santa e ordenadamente. Donde necessariamente se segue o cumprir integralmente os próprios deveres, o não violar os direitos alheios, o considerar os bens naturais como inferiores aos sobrenaturais, e o antepor o amor de Deus a todas as coisas”.(49)

74. A fim de que a devoção ao coração augustíssimo de Jesus produza frutos mais copiosos na família cristã e mesmo em toda a humanidade, procurem os féis unir a ela estreitamente a devoção ao coração imaculado da Mãe de Deus. Foi vontade de Deus que, na obra da redenção humana, a santíssima virgem Maria estivesse inseparavelmente unida a Jesus Cristo; tanto que a nossa salvação é fruto da caridade de Jesus Cristo e dos seus padecimentos, aos quais foram intimamente associados o amor e as dores de sua Mãe. Por isso, convém que o povo cristão, que de Jesus Cristo, por intermédio de Maria, recebeu a vida divina, depois de prestar ao sagrado coração o devido culto, renda também ao amantíssimo coração de sua Mãe celestial os correspondentes obséquios de piedade, de amor, de agradecimento e de reparação. Em harmonia com esse sapientíssimo e suavíssimo desígnio da divina Providência, nós mesmo, por ato solene, dedicamos e consagramos a santa Igreja e o mundo inteiro ao coração imaculado da santíssima Virgem Maria.(50)

4) Convite para celebrar dignamente o primeiro centenário da festa do sagrado coração de Jesus na Igreja universal

75. Completando-se felizmente este ano, como antes indicamos, o primeiro século da instituição da festa do sagrado coração de Jesus em toda a Igreja, instituição promovida pelo nosso predecessor Pio IX, de feliz memória, é vivo desejo nosso, veneráveis irmãos, que o povo cristão celebre este centenário solenemente em toda parte, com atos públicos de adoração, de ação de graças e de reparação ao coração divino de Jesus. Com especial fervor serão, sem dúvida, celebradas estas solenes manifestações de alegria cristã e de cristã piedade – em união de caridade e em comunhão de orações com todos os demais fiéis naquela nação em que por desígnio de Deus, nasceu a santa Virgem que foi promotora e propagadora infatigável desta devoção.

76. Entrementes, animado de doce esperança, e já pressagiando os frutos espirituais que da devoção ao sagrado coração de Jesus hão de transbordar copiosamente na Igreja se esta devoção, conforme explicamos, for entendida retamente e praticada com fervor, a Deus suplicamos que, com o poderoso auxílio da sua graça, queira atender estes nossos vivos desejos, e fazer que, com a ajuda divina, as celebrações deste ano aumentem cada vez mais a devoção dos féis ao sagrado coração de Jesus, e assim se estenda mais por todo o mundo o seu império e reino suave; esse “reino de verdade e de vida, reino de santidade e de graça, reino de justiça, de amor e de paz”.(51)

77. Como penhor destes dons celestiais, concedemo-vos de todo o coração a bênção apostólica, tanto a vós pessoalmente, veneráveis irmãos, como ao clero e a todos os fiéis confiados à vossa solicitude pastoral, e em especial àqueles que de propósito fomentam e promovem a devoção ao sagrado coração de Jesus.

Dado em Roma, junto de São Pedro, no dia 15 de maio de 1956, ano XVIII do nosso pontificado.

PIO PP. XII.


Notas

(1) Enc. Annum Sacrum., de 25 de maio de 1899; Acta Leonis, 19(1900), pp. 71, 77-78.
(2) Enc. Miserentissimus Redemptor, de 8 de maio de 1928; AAS 20(1928), p.167.
(3) Cf. Enc. Summi Pontificatus, de 20 de outubro de 1939; AAS 31(1939), p. 415.
(4) Cf.AAS 32(1940), p. 276; 35(1943), p.170; 37(1945), pp. 263-264; 40(1948), p. 501; 41(1949), p. 331.
(5) Conc. Ephes., cân. 8; cf. Mansi, Sacrorum Conciliorum amplissima collectio, IV,1083, C.; Conc. Const. II, cân. 9; cf. ibid., IX, 382 E.
(6) Cf. Enc. Annum SacrumActa Leonis, 19 (1900), p. 76.
(7Summa Theol., I-II, q. 2, a. 7; ed. Leon. t. 8,1895, p. 34.
(8Summa Theol., III, q. 48. a. 2 ; ed. Leon. t. XI,1903, p. 464. 
(9) Cf. Enc. Miserentissimus Redemptor; AAS 20(1928), p.170.
(10Summa Theol., III, q. 46, a. l ad 3; ed. Leon., t. XI,1903, p. 436.
(11) S. Leão Magno, Epist. dogm: “Lectis dilectionis tuae” ad Flavianum Const. Patr. de 13 de junho de 449; cf. PL 54, 763.
(12) Conc. Chaelced. (a. 451); cf. Mansi. Op. cit. VII,115 B.
(13) S. Gelasio Papa, Tract. III: “Necessarium” De duabus naturis in Christo, cf. A. Thiel, Epist. rom. pont, a s. Hilaro usque ad Pelagium II, p. 532.
(14) Cf. s. Tomás, Summa theol., III, q. 15, a. 4; q. 18, a. 6; ed. Leon. t. Xl, 1903, pp.189 e 237.
(15Apol. 2,13; PG 6, 465.
(16Epist. 261, 3; PG 32, 972.
(17In Joann. Homil. 63, 2; PG 59, 350.
(18De fide ad Gratianum, II, 7, 56; PL 16, 594. 
(19) Cf. Super Matth., 26, 37; PL 26, 205.
(20Enarr. Ps. 87, 3; PL 37,1111.
(21De Fide Orth., III, 6; PG 94,1006.
(22) Ibid., III, 20; PG 94,1081.
(23Summa theol., I-II, q. 48, a. 4; ed. Leon. t. VI,1891, p. 306.
(24) Cf. Summa theol., III, q. 9, aa. l-3; ed. Leon. t. XI,1903, p.142.
(25) Cf. ibid., III, q. 33, a.2 até 3; q. 46, a. 6; ed. Leon. t. XI,1903, pp. 342, 433.
(26Registr. epist., lib. IV, ep. 31 ad Theodorum medicumPL 77, 706.
(27De sancta virginitate, VI; PL 40, 399.
(28) Cf. s. Tomás, Summa theol., III, q.19, a. l; ed. Leon., t. XI,1903, p. 329. 
(29Summa theol.Suppl., q. 42, a. l até 3; ed. Leon., t. XII,1906, p. 81. 
(30) Hino das Vésp. da festa do sagrado coração de Jesus.
(31Summa theol, III, q. 66, a. 3, ed. Leon., t. XII,1906, p. 65.
(32) S. Boaventura, Opusc. X: Vitis mystica, c. III, n. 5: Opera Omnia, Ad Claras Aquas (Quaracchi), 1898, t. VIII, p. 164; cf, s. Tomás, Summa theol., III, q. 54, a. 4; ed. Leon., t. XI,1903, p. 513.
(33) Cf. Summa theol., III, q. 48, a. 5; ed. Leon., t. XI,1903, p. 467.
(34) Cf. Carta enc. Miserentissimus Redemptor: AAS 20(1928), pp.167-168.
(35) Cf. A. Gardellini, Decreta authentica, 1857, n. 4579, t. III, p.174.
(36) Cf. Decr. S. C. Ritum em N. Nilles, De rationibus festorum Sacratissimi Cordis Iesu et purissimi Cordis Mariae, 5e ed. Innsbruck,1885, t. I, p.167.
(37) Inocêncio XI, Const. Ap. Coelestis Pastor, (19 de novembro de 1687): Bullarium Romanum, Romae 1734, t. VIII, p. 443.
(38Summa theol., II-II, q. 81, a. 3; ed. Leon., t. IX,1897, p.180.
(39Comment. in Evang, s. Joannis, c. XIII, lect. VII, 3; ed. Parmae,1860, t. X, p 541.
(40Summa theol., II-II, q. 82, a, l; ed. Leon. t. IX,1897, p.187.
(41Ibid., I, q. 38, a. 2; ed. Leon. t. N,1888, p. 393.
(42) Cf. Leão XIII, Enc. Annum SacrumActa Leonis, vol. 19(1900), p. 71s; Decr. S.C. Rituum, 28 de jun. de 1899, in Decr. Auth. III, n. 3712; Pio XI, Enc. Miserentissimus Redemptor; AAS, 20(1928), p.177s; Decr. S.C. Rituum, (29 de jan. de 1929): AAS 21(1929), p. 77.
(43) S. Ambrósio, Exposit. in Evang. sec. Lucam, t. X, n.175: PL 15,1942.
(44) Cf. s. Tomás, Summa Teol., II-II, q. 34, a. 2; ed. Leon. t. VIII,1895, p 274. 
(45) Cf.  Enc. Miserentissimus Redemptor: AAS 20(1928), p.166.
(46) Enc. Annum sacrumActa Leonis, 19(1900,) p. 79; Enc. Miserentissimus Redemptor: AAS 20(1928), p.167.
(47) Carta Apost. quibus Archisodalitas a Corde Eucharístico lesu ad S. Joachim de Urbe erigitur“. (17 de fevereiro de 1903): Acta Leonis, 22(1903), p. 307s; cf. Enc. Mirae caritatis, (22 de maio de 1902): Acta Leonis, 22(1903), p.116.
(48) S. Alberto Magno, De Eucharistia, dist. VI, tr. l, c. l: Opera Omnia, ed. Borguet, vol. 38, Paris,1890, p. 358.
(49) Enc. Tametsi: Acta Leonis, 20(1900), p. 303.
(50) Cf. AAS 34(1942), p. 345a.
(51) Do Missal Rom. Prefácio de Cristo Rei.

Fonte: https://www.vatican.va/content/pius-xii/pt/encyclicals/documents/hf_p-xii_enc_15051956_haurietis-aquas.html