Extraído do livro Coletânea de Memórias da Serva de Deus Luísa Piccarreta 

(Bernardino Bucci): “A minha família, que era muito religiosa, desejava que entre nós filhos houvesse um sacerdote, dado que entre os parentes do tronco paterno havia muitos presbíteros e nessa época um primo de minha mãe, Mons. Balducci, era vigário-geral da diocese de Salerno, no tempo do célebre bispo D. Monterisi. Minha mãe entretecia uma permuta epistolar com esse seu primo, que nós não conhecíamos pessoalmente. Recordo-me apenas que minha mãe falava dele com entusiasmo.

Os olhos da família estavam fixos no meu irmão Agostino, rapaz extraordinário, educado, estudioso e reservado: em síntese, o tipo oportuno para empreender a carreira eclesiástica. A tia Rosária sentiu-se muito feliz quando meu irmão expressou o desejo de entrar no seminário; o parecer do nosso pároco, Pe. Cataldo Tota de venerada e santa memória, foi deveras encorajador.

Preparou-se o vestuário e a minha tia cozeu uma sobrepeliz rendada: estava tudo pronto para o ingresso de meu irmão Agostino no Seminário de Bisceglie. Porém, aconteceu um fato inesperado que fez tudo falir, de tal forma que meu irmão deixou de entrar no seminário. A causa de tudo foi o Padre Andrea Bevilacqua, que aconselhou a não mandar ao seminário Agostino, seu aluno no ginásio, mas a esperar que ele terminasse pelo menos a quinta série ginasial; assim, entraria diretamente no Seminário de Molfetta, sem passar pelo Seminário Menor, que o Padre Andrea não considerava à altura de garantir uma formação adequada. A tia Rosária ficou muito contrariada com este fato e, certo dia, lamentou-se com Luísa: «Depois de ter gasto tanto dinheiro, Agostino não entra mais no seminário».

Já precedentemente Luísa ficava em silêncio e indiferente quando se falava deste projeto. Embora Agostino frequentasse assiduamente a sua casa, e embora ela soubesse das suas intenções, Luísa nunca pronunciou sequer uma palavra de encorajamento neste sentido, o que ela fazia com outros jovens que demonstravam o mesmo desejo. Quando a minha tia se lamentou na minha presença, Luísa respondeu: «Rosária, Rosária… queres substituir-te à Vontade de Deus! O Senhor não o quer» e, dirigindo o seu olhar para mim, disse-lhe: «Tem grande ao ouvir estas palavras de Luísa, que acrescentou: ‘Sim, precisamente este que é o rebelde da família!’.

Com efeito, eu gostava de viver na rua. Era muito vivaz e vivia circundado de rapazes pobres. Os meus companheiros gazeavam sistematicamente a escola, caminhavam descalços pela rua, emanavam um cheiro de galinhas, ovelhas e coelhos, que criavam nas suas casas. Por isso, também na escola eu rendia pouco e era o desespero da minha família burguesa da classe média (minha mãe era professora e meu pai funcionário municipal).

Não dei muita importância às palavras de Luísa. Eu frequentava ainda a quarta série da escola primária e nessa época havia grandes problemas sociais, a derrocada do fascismo, a ocupação alemã, as aulas eram interrompidas e havia escassez de alimentos. Esqueci-me totalmente das palavras de Luísa. Após a morte de Luísa Piccarreta, ocorrida no dia 4 de março de 1947, a minha tia Rosária meditava frequentemente sobre essas palavras de Luísa e então começou a fixar-me com olhares estranhos, como se quisesse carpir sinais do meu coração. Sucessivamente, para a grande surpresa de todos, Peppino (meu apelido), o moço mais travesso do bairro da rua Andria, entrou no seminário, não no diocesano mas no Seráfico, dos Frades Menores Capuchinhos de Barletta. Corria o ano de 1948. Tinha transcorrido um ano da morte de Luísa Piccarreta. Considerando o meu caráter, muitos tinham apostado que a minha permanência no seminário duraria muito pouco e que também ali teria criado confusão. Muitas pessoas até mesmo criticaram minha mãe, por ter desgraçadamente permitido o meu ingresso no seminário.

O tempo desmentiu estes prognósticos infaustos e na cidade começou-se a dar crédito às palavras da minha tia Rosária, que com orgulho dizia a todos que Luísa profetizara o meu sacerdócio. Com decisão, a tia Rosária afirmava: ‘O Peppino chegará a ser um sacerdote. Esta é a Vontade de Deus, expressa pela voz de Luísa’”.

O mar borrascoso

“Passaram vários anos. Minha mãe e meu pai faleceram prematuramente e a nossa família numerosa desagregou-se. Dos duas irmãs e um irmão que se casaram, uma partiu para Trieste, outra para Bolonha e o terceiro para a Suíça: nossa casa ficou vazia e nela só morava a tia Rosária, por nossa concessão.

Eu já era um estudante de teologia no estudantado de Santa Fara, tendo recebido as ordens menores e o diaconato.

Durante o Verão, todo o estudantado se transferia para o convento de Giovinazzo. A estrutura, quase diante do mar, constituía um lugar ideal para transcorrer um período de férias e era também sede do Seminário Maior. Certo dia de agosto, fomos à praia. O mar estava muito agitado, quando um estudante imprudente se lançou na água e logo foi arrastado pelas ondas. Eu e outros dois meus companheiros, nadadores experientes, lançamo-nos em socorro do nosso coirmão mas, em virtude da borrasca, também nós fomos investidos pelas vagas, lançados contra os recifes e novamente tragados pela água.

Nesse ínterim, meio aturdido, eu meditava sobre a minha morte e dizia a mim mesmo: «Já não serei um sacerdote!». Então, invoquei Luísa e disse: «Luísa a Santa, ajuda-me!» e abandonei-me sem reagir. A um dado momento, senti que o meu corpo foi agarrado pelas mãos de outros meus coirmãos, que me salvaram antes que as ondas me revolvessem definitivamente.

Saí da água dilacerado e sangrando, mas vivo. Luísa salvou-me juntamente com os outros três estudantes, meus companheiros de desventura.

Na noite seguinte sonhei que Luísa me fixava com os seus dois grandes olhos, impressos na minha memória, sem nada me dizer.

Foi um sonho admoestador ou um delírio? O fato é que nos dias seguintes tive uma febre muito alta, mas depois restabeleci-me da doença.

No dia 14 de março do ano seguinte, 1964, fui ordenado sacerdote pelo então arcebispo de Bari, D. Henrique Nicodemos, na Igreja dos Padres Capuchinhos de Triggiano.”

O Frei Giuseppe Bucci, estudante capuchinho (em cima, segundo à esquerda), ao lado do Diretor e outros estudantes, em uma foto-recordação.